Nas últimas décadas, o crescimento do cristianismo evangélico no Brasil não se limitou ao campo religioso, mas alcançou forte expressão política. Com a consolidação de bancadas evangélicas no Congresso e a presença cada vez mais ativa de lideranças religiosas nas eleições, as pautas cristãs começaram a influenciar não apenas políticas internas, mas também posicionamentos de governo no cenário internacional.
A chamada “bancada da Bíblia”, composta majoritariamente por parlamentares evangélicos, tem atuado como um bloco coeso e influente. Sua atuação vai além de temas morais como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo: ela tem se manifestado sobre alianças internacionais, direitos humanos e até sobre a diplomacia brasileira com países específicos.
A aproximação simbólica e diplomática com Israel

Um dos casos mais notórios da influência cristã na política externa brasileira é a aproximação diplomática com Israel. Para muitos cristãos brasileiros, especialmente os evangélicos pentecostais, a nação israelense ocupa papel central na escatologia bíblica e é considerada o “povo escolhido de Deus”. Durante o governo Bolsonaro, por exemplo, houve fortes acenos ao Estado de Israel, incluindo a abertura de um escritório de representação em Jerusalém e a defesa do direito israelense de autodeterminação frente a resoluções da ONU.
O posicionamento cristão frente a causas globais
Além das relações bilaterais, o cristianismo brasileiro tem impactado o posicionamento do país frente a causas globais, especialmente nas áreas de direitos humanos, liberdade religiosa e pautas culturais. Em fóruns internacionais como a ONU, o Brasil passou a votar ou se abster de temas ligados à diversidade sexual, gênero e direitos reprodutivos, alinhando-se a uma agenda conservadora impulsionada por setores religiosos.
Esse alinhamento é perceptível em resoluções que tratam da saúde sexual e reprodutiva de mulheres, do reconhecimento de direitos da população LGBTQIA+ ou da educação laica em direitos humanos. Influenciados por lideranças cristãs, diplomatas brasileiros passaram a contestar certas terminologias e propostas, sob o argumento de defesa da soberania cultural e da moralidade tradicional. Essa postura gerou tanto apoio quanto críticas na arena internacional.
Missões internacionais e o soft power religioso
Um aspecto menos visível, mas igualmente importante, é o papel das igrejas brasileiras em missões internacionais, que contribuem para a construção de uma imagem religiosa do Brasil no exterior. Igrejas como Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus e outras denominações já possuem presença em dezenas de países, especialmente na África, América Latina e até na Europa e Ásia.
Essas missões atuam não apenas como agentes espirituais, mas também como braços sociais do Brasil em comunidades pobres, oferecendo assistência, educação e apoio psicológico. Essa atuação é uma forma de “soft power” religioso: ao promoverem valores brasileiros em contextos estrangeiros, essas igrejas reforçam laços culturais, constroem redes de influência e consolidam uma imagem de país missionário e humanitário.
As críticas e os dilemas da internacionalização da fé
Apesar dos avanços e da visibilidade conquistada, a crescente presença do cristianismo brasileiro na política externa também tem gerado críticas. Especialistas em relações internacionais alertam para os riscos de se adotar uma política externa marcada por convicções religiosas, o que pode comprometer a laicidade do Estado e dificultar o diálogo com países de outras tradições religiosas ou com governos laicos.
Além disso, ao adotar posições conservadoras em fóruns internacionais, o Brasil se afasta de nações que defendem pautas progressistas, podendo prejudicar acordos comerciais e alianças estratégicas. A excessiva ideologização da diplomacia pode restringir a margem de manobra do país em negociações multilaterais e reduzir sua capacidade de mediação em conflitos sensíveis, especialmente em contextos multiculturais.
Conclusão
O cristianismo brasileiro, especialmente em sua vertente evangélica, tem se tornado um ator influente na política externa do país. Através da atuação de parlamentares, igrejas, missões e até discursos presidenciais, a fé deixou de ser uma questão privada e passou a compor a lógica das relações internacionais. Essa presença molda alianças, posicionamentos e até a imagem que o Brasil projeta no exterior.
Essa influência, no entanto, traz consigo desafios importantes. A tensão entre fé e laicidade, entre pluralismo e identidade religiosa, exige cuidado e discernimento por parte dos formuladores de política externa. É necessário garantir que os interesses religiosos não comprometam os valores democráticos, a diplomacia profissional e o respeito à diversidade interna e externa.